sábado, 3 de abril de 2010

Do outro lado da ponte. (Marla de Queiroz)

Vasculhando nas memórias algum assunto, encontrei a carta que eu rabisquei na capa de um livro: “pra você”, era o destinatário. Não sei por que não mandei, talvez não quisesse passar a limpo o passado. Em letras garrafais eu te dizia: “acertei o caminho não porque segui as setas, mas porque desrespeitei todas as placas de aviso”. E achei curioso eu usar essa metáfora sem nem ao certo saber o que queria te dizer com isto. E depois de repousadas aquelas palavras eu percebi quanta coisa eu escrevi pra você, querendo dizer pra mim. Porque eu jamais chegaria aonde cheguei se só andasse em linha reta. Tive que voltar atrás, andar em círculos, perder dias, perder o rumo, perder a paciência e me exaurir em tentativas aparentemente inúteis pra encontrar um quase endereço, uma provável ponte: a entrada do encontro.Você tão ocupado com seus mapas, tão equipado com sua bússola, demorou tanto, fez sinais de fumaça e não veio. Você simplesmente não veio. Mas me ensinou a intuir caminhos certos, a confiar nos passos, a desconfiar dos atalhos. Porque eu estava do outro lado e só. Sem amparo. Mas caminhava. E você estava absolutamente equipado com seu peso. E impedido de andar por seus medos.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Minha Rebeldia (Vania Staggmeier)



Vaguei pelo mundo...
Observei todas as regras...
Ouvi a perfeição...
Senti a emoção...

Resolvi me rebelar...
Quero sentir todas as sensações...
Viver todas as emoções...
Até achar aquilo que ainda não vivi...

Hoje vou correr descalça...
Sentir o vento no rosto...
Atravessar pontes...
E só assim me descobrir...
Mulher... Amante...

Quero sangrar e descobrir...
Tudo o que me mantém viva...
Quero interpretar o sorrir inocente...
De uma criança...

Quero ser seu segredo...
Vem desvenda-me por agora...
Não pretendo ser verdade ou mentira...
Fato ou até solução...

Sentirei-me feliz sendo...
A maior das contradições...
Quero sonhar viver e amar...
Chorar sem lamentar...
E ser pra sempre...
A rebeldia terna de minha poesia!

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

O isopor não será perdoado.

Para Iemanjá, de Marcelino Freire

Oferenda não é essa perna de sofá. Essa marca de pneu. Esse óleo, esse breu. Peixes entulhados, assassinados. Minha Rainha.

Não são oferenda essas latas e caixas. Esses restos de navio. Baleias encalhadas. Pingüins tupiniquins, mortos e afins. Minha Rainha.

Não fui eu quem lançou ao mar essas garrafas de Coca. Essas flores de bosta. Não mijei na tua praia. Juro que não fui eu. Minha Rainha.

Oferenda não são os crioulos da Guiné. Os negros de Cuba. Na luta, cruzando a nado. Caçados e fisgados. Náufragos. Minha Rainha.

Não são para o teu altar essas lanchas e iates. Esses transatlânticos. Submarinos de guerra. Ilhas de Ozônio. Minha Rainha.

Oferenda não é essa maré de merda. Esse tempo doente. Deriva e degelo. Neste dia dois de fevereiro. Peço perdão. Minha Rainha.

Se a minha esperança é um grão de sal. Espuma de sabão. Nenhuma terra à vista. Neste oceano de medo. Nada. Minha Rainha.

*

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

"Tá bom"?!

- Eu te amo!
- Tá bom!
- Na verdade, eu pensei que te amava. Tchau.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Compilação (*)

"Eu sempre estive entre aspas...Ficar triste é um sentimento tão legítimo quanto a alegria . Reclamar do tédio é facil, dificil é levantar da cadeira e fazer uma coisa que nunca foi feita. Queria nao me senti tão responsável pelo o que me acontece ao meu redor. Felicidade é a combinação de sorte com escolhas bem feitas. Pessoas com vidas interessantes interessam-se por gente que é o oposto delas. Emoção nenhuma é banal se for autentica. Dar certo não está relacionada ao ponto de chegada, mas ao durante. O prazer está na invenção da propria alegria, porque é do erro que surgem novas soluções. Os desacertos nos movimentam, nos humanizam e nos aproximam dos outros. Enquanto um sujeito nota 10 nem consegue olhar pro lado, sobre pena de ver o seu mundo cair. O mundo já caiu baby! Só nos resta dançar sobre os destroços. Nosso maior inimigo é a falta de humor."

(*)Por Pedro Bial na primeira eliminação do BBB10, ao unir citações de Elenita, que mencionam Martha Medeiros e Clarice Lispector, no microblog do programa.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

De cara lavada. (Martha Medeiros)

hoje me desfiz dos meus bens
vendi o sofá cujo tecido desenhei
e a mesa de jantar onde fizemos planos

o quadro que fica atrás do bar
rifei junto com algumas quinquilharias
da época em que nos juntamos

a tevê e o aparelho de som
foram adquiridos pela vizinha
testemunha do quanto erramos

a cama doei para um asilo
sem olhar pra trás e lembrar
do que ali inventamos

aquele cinzeiro de cobre
foi de brinde com os cristais
e as plantas que não regamos

coube tudo num caminhão de mudança
até a dor que não soubemos curar
mas que um dia vamos

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

De-sa-ba-fo. (esse é meu mesmo)

Quer me deixar? Diga-me e faça-o!
Não fique com medo de me fazer sofrer! Já aguentei coisas muito piores. Acredite!
Me deixar sem satisfações será pior pra você! O abandono é sinal de desprezo, e em vez de tristeza, ele me causa ódio! Desconsideração me causa repulsa!! E pra mim, é aí que nossa situação se encaixa.

Como disse uma vez Jabor, as coisas podem acabar como começam, e você não tinha obrigação nenhuma de me manter em seu coração se deixou de me amar! E como estava conversando agora há pouco com alguém que, pelo contrário, me é recíproco, tudo passa!

Suponho ter a maturidade suficiente pra colocar cada sensação numa gaveta diferente! Acabou o amor? Por mim restariam a confiança, o apreço, a admiração! Assim como você, eles sumiram!

Já até me senti culpado, num impulso muitas vezes idiota de ser compreensivo demais. Sabe, há características inerentes à nossa personalidade emocional que justificam existir um lado racional que as controle.

Impulsão é parte de mim. O perdão também. Você abdicou dos dois.

Visão de Clarice Lispector (Carlos Drummond de Andrade)




Ausente por um tempo, volto para outra temporada. As incertezas, deixemos com o tempo! Ah, o tempo! Sábio governante... E como governante, transferimos sobre ele, numa tentativa de inútil ilusão, a culpa de algumas das nossas faltas.

Hoje, uma mente brilhante descreve outra. Cada qual, com a sua particularidade! Clarice por Drummond!

E que em 2010, possamos respirar mais poesia, enfim!



Clarice,
veio de um mistério, partiu para outro.

Ficamos sem saber a essência do mistério.
Ou o mistério não era essencial,
era Clarice viajando nele.

Era Clarice bulindo no fundo mais fundo,
onde a palavra parece encontrar
sua razão de ser, e retratar o homem.

O que Clarice disse, o que Clarice
viveu por nós em forma de história
em forma de sonho de história
em forma de sonho de sonho de história
(no meio havia uma barata
ou um anjo?)
não sabemos repetir nem inventar.
São coisas, são jóias particulares de Clarice
que usamos de empréstimo, ela dona de tudo.

Clarice não foi um lugar-comum,
carteira de identidade, retrato.
De Chirico a pintou? Pois sim.

O mais puro retrato de Clarice
só se pode encontrá-lo atrás da nuvem
que o avião cortou, não se percebe mais.

De Clarice guardamos gestos. Gestos,
tentativas de Clarice sair de Clarice
para ser igual a nós todos
em cortesia, cuidados, providências.
Clarice não saiu, mesmo sorrindo.
Dentro dela
o que havia de salões, escadarias,
tetos fosforescentes, longas estepes,
zimbórios, pontes do Recife em bruma envoltas,
formava um país, o país onde Clarice
vivia, só e ardente, construindo fábulas.

Não podíamos reter Clarice em nosso chão
salpicado de compromissos. Os papéis,
os cumprimentos falavam em agora,
edições, possíveis coquetéis
à beira do abismo.
Levitando acima do abismo Clarice riscava
um sulco rubro e cinza no ar e fascinava.

Fascinava-nos, apenas.
Deixamos para compreendê-la mais tarde.
Mais tarde, um dia... saberemos amar Clarice.

domingo, 26 de abril de 2009

Escritos da nossa saudade.




Eu:

É uma saudade gritante!!
Onça, Leão, que apodera, e forte, faz da sua presa tímida e vencida...

Mas não há de vencer o tempo, o sábio governador de tudo! Domador de feras interiores e de suas perversidades!! Digno da confiança e esperança das presas que tem nele sua escapatória mais certa!!


Theka:

É uma saudade tenor...
Tartaruga, Bicho-Preguiça, que apodera, e lento, faz da sua caminhada longa e desesperançosa.

Mas há um dia de chegar ao seu destino final. Cansado, desestimulado...Digno de um guerreiro que não pode dar fim à sua própria guerra.



E a saudade:

deixa de ser só energia. É aí personificada em duelo, embate, rebate. Vitoriosa em reciprocidade.

domingo, 19 de abril de 2009

Pulsação (Jean Wyllys)



Olá Caríssimos!!

Antes de quaisquer palavras mais, eu preciso fazê-los um pedido de desculpas. É notável a ausência de escrituras neste crisol virtual que (se) auto denomina colecionador.
A vida de universitário tem me deixado com pouco tempo para alguns prazeres, inclusive as leituras de bons textos e a partilha dos mesmos..

Procurando compensar a falta, hoje eu vos apresento um texto mais encorpado do que o de costume, mas, que demonstra nesse corpo um tocante de sensibilidade descomunal. De certo, vocês já estão acostumados à demonstração dessa qualidade, pois o seu detentor, Jean Wyllys, aprensentou-a continuamente por três meses em horário nobre ao fiel povo brasileiro. A crônica abaixo faz parte de uma compilação de sentimentos feitas pelo ex-personagem (agora autor) em seu nosso livro "Ainda Lembro".

Bon appetit!




PULSAÇÃO
Jean Wyllys


Caro amor que não veio e assim mesmo partiu (desculpe a redação fragmentária), se a vida é uma pergunta, escrevo para tentar respondê-la.

A melhor coisa da vida é sempre ter a certeza de que, depois de uma noite (mesmo a mais escura, fria e longa), o sol nascerá. Breve, muito breve, você estará onde quer.

Um dia de sol, mas de um sol pálido, sobretudo à tarde, quando os farrapos de nuvens no céu começaram a ficar rosa. Um a luz desmaiada que cobria de dourado fosco a baía, os navios adormecidos, a ilha, a Castro Alves, a rua Chile, um pedaço do Terreiro de Jesus e toda a cidade baixa, até onde se tem a vista do Bonfim. A luz pálida forrava tudo que é possível ver das janelas do apartamento.

Há, sem dúvida, uma essência que não muda, mas, em todo o resto, as pessoas costumam mudar. E acho que devemos sempre crer nessa capacidade de mudança, senão de nada valeriam nossas próprias discussões e aquela boa esperança, que mesmo o mais niilista, o mais pessimista, o mais pesado dos seres humanos, a ela sucumbe. Concordo que o excesso de luz, cega. A escuridão absoluta e a iluminação total são extremos que se tocam, assim como o amor e o ódio.

Poesia e mais ainda a prosa são a minha praia. Meu lar é você, Salvador, a imensidão e o mar. Você é um porto seguro, por onde passa uma brisa leve; o outro, com suas chuvas e tempestades, é apenas um porto alegre. Não há disputa. Nem dúvidas, Minha experiência com você é única. Como disse uma professora minha, caso uma pedra esmague cem, cada agonia é única. Com o amor – essa pedra que nos abate – acontece a mesma coisa.

Cheguei bem depois das cansativas quatro horas sobrevoando os céus entre o Sudeste e o Nordeste. Mesmo a imagem das cidades como circuitos eletrônicos acesos não foi o suficiente para aliviar o cansaço. Cheguei por volta das quatro horas e quinze minutos em Salvador. Peguei um táxi e fui para o Centro. Desabei, depois, em uma crise de choro, em parte pela impossibilidade de eternizar os momentos de prazer e felicidade (isso é o que chamam de saudade, em parte porque Salvador me parece sempre um pouco menor e monótona quando volto de qualquer viagem.
Há poucos dias vi um céu de estrelas. Depois de oitenta dias vendo uma massa escura cujos pontos luminosos foram apagados por holofotes de mercúrio, pude ver infinitos brilhos piscando coloridos no céu, de um lugar chamado Restiga de Marambaia, no Rio de Janeiro, bem depois da Barra e do Recreio dos Bandeirantes, onde já não se tinha a vista do Corcovado. Quem sabe você não é uma daquelas infinitas luzes?

A baía de Guanabara, vista da Janela de meu quarto, também lembra um céu de estrelas. Não, lembra um chão de estrelas, como descreve Orestes Barbosa – grande carioca! –em canção que Caetano – grande baiano! – parafraseia (não sei se a conjugação está certa) em “Como dois e dois”.

Agora, noite, uma lua no quarto crescente deixa um manto de prata no mar morto, Amanhã lembrarei novamente de você, como sempre. Estou à espera dos beijos prometidos

Quanto à nossa amizade, tenho a dizer que não duvido que você gosta de mim. Entretanto, sei que existem pessoas que agente gosta, ma não o suficiente para ligar, pedir notícias, saber onde e como está, compartilhar nem que seja uma canção, convidar para um passeio ou até chorar. Eu sou uma dessas pessoas para você. E durante muito tempo você foi exatamente o contrário para mim. Mas, com o tempo – e o amadurecimento dele decorrente -, aprendemos a não forçar a barra, a não pedir pressa ao rio.

Não era minha intenção fazê-lo chorar. Desculpe, embora eu ache que as lágrimas nos dão a exata noção de que não somos terra seca. O comentário, entretanto, foi sincero, mas sem o propósito de ser cruel. Abomino a crueldade, E você é uma das pessoas com as quais eu jamais seria cruel, nem mesmo em brincadeira.

Não precisa se punir; como eu já disse, eu não duvido de que você goste de mim. E ainda que a vida nos imponha essas escolhas, esses filtros, o meu amor é eterno: ficará guardado no fundo do armário de madeira do meu quarto, ao lado do computador, mesmo quando Salvador for uma cidade submersa e a vista da baía tenha se perdido.

Um filósofo, cujo nome não me lembro agora, disse que é preferível uma morte com bravura a uma vida sem combate. Eu concordo. Recolher a bandeira vermelha no seu caso (e no meu, e no de tantos outros), é o mesmo que morrer. E mesmo que você o faça, sempre haverá um farrapo vermelho tremulando ao vento, porque a esperança, ao contrário do que evoca nosso imaginário, é da cor de sangue. A vida toda é um doer. Mas também é rara e única, por isso a suporto com alegria crítica.